Não é própria deste momento histórico a existência de confusões
causadas por múltiplas interpretações de uma mesma palavra. Por este motivo, é
necessário que o cientista, o pesquisador e o teórico se detenham por um
instante sobre a tarefa de apresentar uma conceituação dos termos utilizados.
Esta tarefa não corresponde ao ato de tomar para si as palavras, mas de
apresentar um uso, isto é, uma interpretação para elas.
No campo do pensamento político há diversos conceitos. Palavras como capitalismo, socialismo, anarquia, mercado, propriedade, poder, indivíduo e sociedade são alguns exemplos de termos que necessitam de aprofundamento conceitual. Caso isto não ocorra, torna-se difícil compreender qual é o sentido pretendido. Devido a problemas de tradução da palavra inglesa libertarian é preciso diferenciar o pensamento libertário norte-americano do antigo uso da palavra libertário para designar os anarquistas clássicos.
Dentro da história do pensamento político, chamou-se de liberal o defensor de determinadas liberdades civis e liberdades econômicas. O liberalismo é a doutrina do liberal, pautado no pensamento dos liberais clássicos como Locke e Mill. O problema linguístico aparece quando nos Estados Unidos o termo liberal é usado para designar uma posição que, no Brasil, chamaríamos de liberalismo-social. Naquele país os defensores de liberdades se viram órfãos de um termo que os designassem. É neste contexto que aparece, para diferenciar o liberal, o termo libertarian.
A confusão para o leitor da língua de Camões ocorreu ao traduzir-se o termo libertarian por libertário. Este novo libertário também foi designado neste idioma como libertarista e libertarianista. É óbvio que um indivíduo que defende liberdades irá chamar a si mesmo de libertário, o defensor da liberdade, como aponta a definição dicionarista. Porém, devido ao uso deste termo em outras tradições do pensamento político, a confusão torna-se aparente.
Jorge Esteves da Silva está correto ao apontar que o termo libertário foi introduzido pelos teóricos anarquistas franceses no século XIX. No entanto apesar de reivindicar seu uso os anarquistas nunca buscaram ou quiseram ter direitos de propriedade sobre o uso desta palavra, o uso do termo libertário pode se modificar ao longo da dinâmica existente nas transformações linguísticas que sempre ocorreram na história.
Se o termo
libertário foi introduzido pelos anarquistas, é compreensível que os seguidores
de Joseph Déjacque (1821-1864) reivindiquem o seu uso para a defesa do
pensamento político que defende a divisão equitativa do produto do trabalho
numa sociedade organizada comunalmente, sem a existência de um governo central.
É importante salientar que, antes de Déjacque, Pierre Joseph Proudhon
(1809-1865) havia se autointitulado anarquista. O termo libertário não começa a
ser utilizado como oposição ao mutualismo proudhoniano, como afirmam alguns
libertários de direita, um sistema que defendia direitos de propriedade baseada
na posse e uso e remuneração proporcional ao trabalho realizado.
Destarte, há neste ponto uma primeira distinção que merece atenção. Nos anarquismos não-individualistas o coletivismo é um ponto principal. Estes anarquismos que rejeitam em partes a associação com salários e preços, o chamado anarquismo social ou variações coletivistas no anarquismo, podem ter um caráter comunista libertário ou socialista libertário (posteriormente surge o anarco-sindicalismo). O anarco-socialismo, ou socialismo libertário, é a defesa de uma sociedade na qual todos os meios de produção são socializados. Porém, diferente de Karl Marx, defende que esta socialização ocorra sem a criação de um estado ou estrutura hierarquica e centralizada para governar. A revolução dos trabalhadores não trocaria os atuais governantes por novos governantes ou modelos centrais e estatais de organização, como defendeu Marx e ocorreu nas revoluções marxistas ao redor do globo. Contudo, para os anarco-comunistas há um problema grave com esta defesa socialista do anarquismo, pois ainda existira a remuneração pelo trabalho. O anarco-comunismo defende a abolição deste sistema de salários, visando uma distribuição dos bens a partir da necessidade. Tudo seria comum e distribuído para todos conforme fosse necessário o uso. Este sistema de abolição do dinheiro acabaria com a ideia de recompensa, pois todos teriam acesso ao que foi produzido e decidiriam democraticamente em suas comunas como utilizar os recursos e os bens produzidos.
O primeiro teórico a usar o termo libertário defendia uma posição anarco-comunista. Entretanto, Mikail Bakunin, teórico anarco-socialista, chamou seu anarquismo de socialismo libertário (em oposição ao socialismo autoritário, termo que usava para designar a ideia de Marx). Neste contexto, os anarco-comunistas, que viam no socialismo libertário uma estrutura de preços e salários, consideram a criação de outro termo para os definir e então surge o comunismo libertário.
Assim, o termo libertário na tradição anarquista não possui um uso uniforme. Obviamente que os anarcocomunistas reivindicam o seu uso devido ao seu surgimento porem não querem propriedade exclusiva sobre o termo e não sem importa com sua utilização por outras variações do anarquismo seja ela individualista ou coletivista. A liberdade que defendem é a liberdade social da vida numa comuna democrática com redistribuição por necessidade e não por mérito. Esta é a sociedade sem coerção, sem autoridade e sem amarras.
Por este tipo de anarquismo ser mais difundido, ajudado pelas revoltas e revoluções desencadeadas contra o capitalismo, não é de estranhar que os defensores do libertarianismo de direita sejam vistos com estranheza ao se considerarem libertários, porem as demais correntes anarquistas nunca os negarão o termo.
O libertarianismo, libertarianism no inglês, dentro da tradição anarquista está posicionado entre outro tipo de anarquismo que floresceu na primeira metade do século XIX, o anarquismo individualista. Nesta corrente é o indivíduo que está em primeiro plano, acima de um contexto social ou comunal.
Se na tradição individualista o libertarianismo defende as liberdades individuais em seu mais alto grau, ao defender um modo de produção de bens e serviços será buscada a forma mais livre de produzir. Portanto, é no livre mercado anti-capitalista que se pautará a defesa da efetivação da liberdade de se produzir onde, quando e como quiser com a reçalva de alguns mutualistas que defendem a busca de meios sustentáveis sempre que possível. Este ambiente de liberdade só é possível se as relações entre os indivíduos forem voluntárias e não orquestradas por um governo central. Bem diferente dos coletivistas, estes novos anarco-individualistas defenderão o mercado desempedido e anti-capitalista, sendo possível apenas num ambiente no qual sejam respeitadas as propriedades privadas cooperativistas. É exatamente no espaço privado que haverá a efetivação total das vontades e liberdades individuais. Como não são autosuficientes, os indivíduos precisarão efetuar trocas com outros indivíduos. O sistema de preços e as leis de oferta e demanda possibilitarão que as trocas justas ocorram, isto é, as trocas efetuadas voluntariamente serão justas se aceitas por ambas as partes sem a existência de fraude ou coação, para os anarquistas de livre-mercado este mesmo termo significa trocas voluntárias sem coerção ou intervenção estatal.
Apesar dessa defesa
das liberdades, as liberdades econômicas eram o ponto menos aceito para uma
tradição anarquista. Num século que foi marcado por ditaduras socialistas
estatais, civil-militares e por enormes intervenções governamentais na economia
era preciso demonstrar que a defesa de uma sociedade com mercados desimpedidos
anti-capitalistas e anti-hierarquicas traria mais benefícios para os menos
favorecidos economicamente. Esta defesa de uma economia de mercado trouxe para
o moderno libertarianismo uma antiga direita, defensora do livre mercado
capitalista e corporativista. Este foi um dos motivos para que os novos
libertários ficassem associados apenas à defesa de mercados desregulados. Neste
contexto, viu a necessidade de retomar-se uma forma de apresentar o
libertarianismo que remonta à tradição individualista do anarquismo. Este
libertarianismo retomado do século XIX fica conhecido como libertarianismo de
esquerda (left-libertarianism) e é frequentemente utilizado por
anarquistas mutualistas.
O libertarianismo de esquerda não é uma posição política homogênea. Antes, designa diferentes abordagens de questões políticas e sociais num contexto teórico nos quais diferentes teorias relacionam-se. Deste modo, falar em libertários de esquerda pode-se referir aos seguintes grupos teóricos: (1) esquerda libertária, (2) georgismo (geoísmo), (3) escola Steiner–Vallentyne, (4) agorismo, (5) left-libertarianism (libertarianismo de esquerda de livre mercado).
Apesar das diferentes linhas de pensamento, é a quinta vertente a que chama a si mesmo de libertária de esquerda. Há confusão, por exemplo, pelo fato de alguns autores identificarem alguns marxistas como Rosa de Luxemburgo, Anton Pannekoek, Paul Mattick, Cornelius Castoriadis, Jean-François Lyotard e Guy Debord como libertários de esquerda. A esquerda libertária, portanto, alinha-se muito mais com o socialismo libertário, já comentado anteriormente. Contemporaneamente, anarquistas famosos como Murray Bookchin e Noam Chomsky tem se identificado com esta tradição socialista de viés anti-estatal.
O georgismo refere-se à teoria político-econômica elaborada por
Henry George. O ponto central do pensamento de George é que as pessoas são
proprietárias de tudo o que criam, mas que os bens naturais, como a terra, não
deveriam possuir proprietários. Economicamente significa que o único imposto
existente deveria ser o imposto sobre a terra. Toda atividade econômica ficaria
livre de taxação e a única taxação existente seria eficiente e equitativa ao
recair sobre os que possuíssem mais propriedades de terra. Milton Friedman
(1978) concordou com a posição de Henry George ao afirmar que o imposto sobre a
terra seria menos nocivo e produziria menos distorções econômicas do que os
impostos sobre as atividades econômicas. Vale salientar que apesar de não
ser um anarquista, as ideias de George foram tomadas por alguns seguidores que
reelaboraram o georgismo, transformando-o no chamado geoanarquismo, uma espécie
de neo-georgismo.
A Escola Steiner–Vallentyne está alicerçada no pensamento de
Hillel Steiner e Peter Vallentyne, além de possuir contribuições de outros
acadêmicos e pensadores não necessariamente left-libertarians. A
questão chave desta escola é criticar a concepção de autopropriedade de Robert
Nozick (famoso pelo seu clássico Anarquia, Estado e Utopia) e a
dedução de que a propriedade de outros recursos naturais decorra deste
conceito. Neste contexto, o pensamento desta escola aproxima-se do pensamento
de Henry George ao afirmar a necessidade de "uma compensação que os
proprietários devem aos não proprietários mediante impostos ou rendas sobre a
propriedade de recursos naturais, incluindo a propriedade da terra"
(ROSAS, 2009).
O agorismo é a filosofia política elaborada por Samuel Edward
Konkin III, ativista libertário. O termo remete à palavra ágora do grego. A
ágora era a praça principal da pólis grega, o local onde ocorriam as
assembleias e onde havia mercados e feiras livres. Ao propor o agorismo, Konkin
queria fugir dos antigos rótulos "liberal" e "anarquista".
O agorismo seria então a filosofia política baseado nos mercados livres
anti-capitalistas ( que mais tarde seria utilizadas por AnarcoCapitalistas que
se baseariam nos mercados livres anti-capitalistas estatais), em suas palavras
"libertária em teoria e de livre-mercado anti-capitalista na
prática". Konkin expôs suas ideias no Manifesto do novo libertário.
Neste livro, apresenta o conjunto de conceitos e princípios que baseiam a
defesa de uma sociedade livre. Aponta que a nossa condição é o estatismo e a
econômia corporativista que este precisa ser eliminado para que se atinja a
sociedade agorista. Defende a contra-economia, isto é, que os libertários
evitem ao máximo a economia branca vendas e trocas por bancos e empresas
"legais" e façam suas trocas no mercado negro, como forma de atingir
o estatismo e o capitalismo. Konkin não apenas defendeu esta ideia, mas
praticou a contra-economia incentivando o surgimento de empreendedores do
mercado negro. Foi grande crítico de uma transformação pela via política, como
o Libertarian Party, defendendo uma revolução cultural que minasse o estatismo.
O quinto grupo que pode ser definido como libertário de esquerda é
o libertarianismo de esquerda. Neste sentido, quando dentro da tradição
libertária (do libertarianismo) fala-se de um libertarianismo de esquerda (left-libertarianism)
é a este movimento que se refere. Dentro os mais notáveis pensadores desta
posição estão Kevin Carson, Roderick T. Long, Charles Johnson, Brad Spangler,
Sheldon Richman, Chris Matthew Sciabarra e Gary Chartier.
A principal diferença do libertarianismo de esquerda com o
libertarianismo mais difundido no Brasil está relacionada com questões sociais,
como drogas e aborto, e questões econômicas, como propriedade da terra e
grandes corporações. É certo que autores como Murray Rothbard, Walter Block,
Leonard Read e Harry Browne ,assim como alguns anarcocapitalistas, escreveram
sobre o libertarianismo não ser nem de direita e nem de esquerda, criticando
autores que se posicionam nas vertentes left e right do
pensamento libertário. Apesar deste ímpeto de evitar tal classificação,
inclusive sob o slogan "nem esquerda, nem direita, libertário",
Anthony Gregory apresenta uma distinção que pode auxiliar a diferenciação entre
o libertarianismo de esquerda e de direita.
Outro ponto importante na abordagem à esquerda do libertarianismo
é ser contra o poder das grandes corporações. Há enorme vinculação entre o
poder estatal e o poder dos grandes grupos corporativos. Defender a liberdade
econômica seria favorecer os que já começam no livre mercado amparados,
auxiliados e favorecidos pela condição histórica anterior. Quantas histórias de
favorecimento com doações de terras, ou mais sujas, como o pagamento de fiscais
do governo para atrapalhar concorrentes e até mesmo a morte de concorrentes não
existem no mundo do big business? Como as pessoas poderiam competir
num mundo no qual o favorecimento histórico concedeu terras aos amigos dos que
detinham poder político? Seria justo ignorar o histórico ilegal de aquisição de
terras e bens? Terras sem uso deveriam ser consideradas propriedade e quem as
usasse considerados invasores? Para os libertários de esquerda essas questões
são fundamentais.
Em questões sociais, os libertários de esquerda desaprovam toda
forma de opressão. São, por isso, contrários ao racismo, sexismo, hierarquia e
formas autoritárias de educação e cuidados parentais.
Em suma, o libertarianismo de esquerda é uma oposição ao que Kevin
Carson chamou de libertarianismo vulgar. Para Carson, a defesa da privatização,
desregulamentação, diminuição dos impostos para corporações, negação do
aquecimento global, aumento de políticas imigratórias e livre mercado sem a
defesa da legalização das drogas, das liberdades civis, reforma nos impostos
(fechando brechas usadas pelas grandes empresas), eliminação do bem-estar
corporativo e liberdade de operar um negócio sem licença sanitária, por
exemplo, é um libertarianismo incompleto, um libertarianismo vulgar,
libertarianismo este que os libertários de esquerda se opõem com
todas sua força, é importante reçaltar também que Libertários de esquerda são
favoráveis de um forma geral a ações diretas e até mesmo táticas como o Black
Bloc e também a greves e outros meios não-agressivos.
Temos então o libertarianismo de esquerda como algo diferente do
anarcocomunismo e anarco-socialismo (socialismo libertário). As preocupações
com os grandes detentores de poder econômico são similares. Porém, ao invés de
uma sociedade com abolição total da propriedade privada e da moeda os
libertários de esquerda defendem um livre mercado anti-capitalista com seus
meios de produção auto-geridos e anti-hierárquicos baseados nas
cooperativas como os coletivistas porem cooperativas estas que são privadas e
não socializadas um livre-mercado anti-capitalista sem classes sociais nem
burguesia uma vez que mesmo as cooperativas privadas estariam totalmente na mão
dos trabalhadores e o acumulo massivo de capital se tornaria impossível na
anarquia de livre-mercado, estes anarquistas de livre-mercado no entanto não se
confundem nem um pouco com liberais ou anarcocapitalistas estes últimas são
vertentes radicalmente diferentes e oposições do libertarianismo ou libertáio
de esquerda.
A defesa de um livre mercado, entretanto, não se resume a apenas
deixar de controlar a economia, mas de pensar um modo no qual cada um possa
realmente ser dono de si numa sociedade construída sobre bases igualitárias que
diminuíssem as diferenças herdadas por séculos de um sistema que favoreceu
poucos em detrimento dos demais, questões de género, e outras opressões
como machismo, homofobia e racismo são também de extrema importância para os
libertarianistas de esquerda.
Com isto, é totalmente plausível chamar o libertarianismo de
esquerda de libertário. O libertarianismo é de esquerda, pois considera os
menos favorecidos. Talvez o termo libertário seja um problema semântico apenas
para os defensores de um libertarianismo preocupado apenas com as questões
econômicas, como Ancaps e libertarianistas de direita que se comparão
fácilmente com liberais.
Fontes & Informações:
Referências Bibliográficas
KONKIN III, Samuel Edward. Manifesto do novo libertário. Disponível em:http://libertyzine.blogspot.com.br/2007/03/o-manifesto-do-novo-libertrio-samuel.html . Acesso em 24 de Jul de 2013.
FRIEDMAN, Milton. An Interview with Milton Friedman. The Times Herald, Norristown, Pennsylvania; Friday, 1 December, 1978.
GREGORY, Anthony. Left, Right, Moderate and Radical. Lewrockwell.com, 21 de Dezembro de 2006. Disponível emhttp://www.lewrockwell.com/2006/12/anthony-gregory/left-right-moderate-or-radical-libertarian/ . Acesso em 24 de Jul de 2013.
ROSAS, João Cardoso. A concepção de estado de Nozick. Crítica, 2009. Disponível em: http://criticanarede.com/nozick.html . Acesso em 24 de Jul de 2013.
SILVA, Jorge Esteves da. Os Libertários. Disponível emhttp://www.cedap.assis.unesp.br/cantolibertario/textos/0025.html . Acesso em 25 de Jun de 2012.
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